quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

O bêbado

Não ria do homem bêbado
que cambaleia à sua frente.
Se não houver em você
sentimento cristão de ampará-lo,
nem sequer humano para respeitar
sua miséria,
pelo menos não ria.
Guarde o seu desdém
só para você.
Pelo menos não será instrumento
para estimular o deboche de outros.

Vá, entretanto, pensando
num dos múltiplos motivos
que levam um homem a se fazer
naquilo que, aos olhos de tantos,
se torna engraçado.
Ninguém bebe e se destrói por nada!
E os dramas daquele bêbado
podem até ser iguais aos seus,
só que você tem a graça de saber
como vencer as crises e continuar.
Pense na sua mulher e nos
seus filhos, com quem você vive bem,
e pergunte ao seu subconsciente
como será a vida daquele bêbado.

Será que se ele tivesse emprego
certo e rendoso como o seu,
uma família ajustada como a sua,
uma vida tranquila, como a sua
estaria naquela situação de miséria,
miséria física e moral?
E das coisas de Deus,
será que ele sabe?
Ou terá perdido a fé
ante a indiferença de tantos...
como você?

Será que o Cristo,
se estivesse caminhando na mesma rua,
se limitaria a achar graça
daquele bêbado?
Penso que não,
ou não estaria nas Escrituraas
o episódio do bom samaritano!
E que grande oportunidade
você, você e tanta gente,
está perdendo de repetir
a cena maravilhosa!
E você fala tanto desse Cristo...
Vai à Missa aos domingos...
até nos dias santos,
sem contar as de Finados,
onde nunca esquece de assinar o
social livro de presenças...
Mas você se esquece da 
Carta de São Paulo sobre a caridade,
aquela que diz de nada valer o gesto
magnânimo se não houver para
sustentá-lo a real caridade cristã.
E você nem sequer  deu coisa alguma
àquele bêbado... senão deboche...

Mas ainda que você não goste
da reflexão sobre Cristo,
se ela será forte demais,
reflita como ser humano,
Se não lhe agradam as orações,
mergulhe no drama que deve
ter aquele bêbado cambaleante,
ao menos para formar uma base
sólida para você.
Porque as desgraças da vida
não atingem apenas os outros;
todos quantos vivemos neste
vale de lágrimas, que a oração
menciona há milênios,
podemos ter os mesmos tropeços.
Não pense que sua estabilidade
é inabalável!
Dependêssemos de nós, apenas,
e tudo seria feito, a nosso gosto;
embora nem sempre estivéssemos
certos do melhor caminho.
Há, entretanto, outras forças
acima de nós, que independem de nós
e que podem vir a derrubar-nos também.

Você pode não crer em Cristo,
mas não poderá duvidar de que
seu grande mandamento é, verdadeiramente,
a solução para este mundo,
onde há tanta gente que ainda
acha graça no cambalear de um bêbado.
Mas, será que você é capaz?
"Amai-vos uns aos outros,
como eu vos amei"...

Não, não é muito!
Procura sentir com o coração puro
e os olhos vendo sem maldade
Aprenda a sentir que
todos somos irmãos.
Não rir dos bêbados é um
bom começo, mas não basta.
Ninguém está querendo que
você saia pelas ruas recolhendo
os doentes e bêbados.
Pense, porém, numa forma
efetiva de ajudar a que isto
se faça.
Estude suas possibilidades,
veja seus talentos e
ponha-os em ação!
Você será bem mais feliz
se não tiver à sua roda
gente infeliz.
Que sabor terá seu prato
farto e saboroso,
se lá fora você vê alguém
olhando, olhando apenas
os que têm o que comer?
Ao agasalhar seus filhos,
ao oferecer o caro abrigo
à sua mulher,
como olhar o bêbado esfarrapado,
tremendo de frio,
cambaleando, talvez, pelo
enrijecimento que o frio
dá aos músculos,
e que vai servir, afinal,
para que tantos como você
se riam dele?

Quem sabe se aquele bêbado
de quem você riu com outros
não está procurando, apenas,
esquecer o emprego que lhe tiraram?
O dinheiro não dava para
o leite, o pão, a comida básica
e, no desespero, ele preferiu
beber aquele pouco inútil.

Não, não foi a melhor solução,
mas que outra ele poderia dar
para não ouvir o choro das crianças
e o desespero da mulher?
Só quem passa por certas crises
é capaz de compreender certos problemas.
E você riu, com tantos,
quando o bêbado passou por você,
sem um mínimo interesse em ajudá-lo,
nem cristão, nem ao menos humanitário.

Queira Deus que você nunca
perca seu ganha-pão;
nunca tenha que servir
de objeto para o riso de outros.

257 - (Em 08/07/1980)

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