Até a volta, campo amigo,
Agora tenho que ir,
Vou recolher no meu peito
Toda a alegria que tive
Morando aqui com você.
Vou levar estas lembranças
No paiol do coração,
E vou gastá-las com usura,
Quando estiver na cidade
Para atenuar cansaços,
Para viver mais alegre,
Compensando os desenganos
Que o grande centro me dá.
Hei de guardar bem guardado,
Este monte de montanhas
Recortadas por caminhos
Que o gado faz sem querer
Quando vai, lentamente,
Comendo o pasto que é seu!
Hei de alegrar os meus olhos
Revendo com o pensamento
O córrego pequenino
Que parece improdutivo,
Mas que vai mover o engenho
De onde sai a aguardente,
E o açúcar preto também,
E que ainda faz a luz
Que ilumina, embora fraca,
Os casebres do Arraial!...
O Arraial de São Lourenço!...
Lá na igrejinha do monte,
O santo olha por todos...
Os Ramos...
Os Freire...
A casa do João Bambão,
Que trabalha na pedreira
E aos domingos é barbeiro!
E olha pelos Monteiros
E pra todos que, menores,
Ainda não têm um nome
E não são tradicionais!
O armazém São Lourenço!...
Armazém e armarinho,
Farmácia, casa de louças
E de ferragens também!
Vou sentir muita saudade
Dos passeios com a Diana,
Égua gorducha, roliça,
De andar macio, gostoso,
Que a gente quase não sente!
Hei de lembrar do Alegre,
Cavalho velho, que serve
Pra quem já não sente muito
As batidas no selim...
Mas que eu usei mesmo assim.
Vou ouvir, tenho certeza,
A cantoria do carro,
Puxado no passo lento,
Mas firme, daquele bois...
Moreno, Retrato, Faceiro,
Canário, Lustre, Capenga...
Lá na frente, o candieiro,
Menino branco ou de cor
Mas, sempre bem pequenino,
Dirigindo as três parelhas
Que um mais velho, lá do carro,
Incentiva a caminhar!
Vou levar tanta lembrança boa!...
Mas uma triste, bem grande!...
Aquele incêndio!
Comendo capim gordura.
Começou e ficou logo
Numa linha só de avanço
Em toda a extensão do morro,
Comendo e correndo,
Queimando, estalando,
Fazendo um calorão!
Avançava e aniquilava
Tudo, tudo em seu caminho!
As árvores, as touceiras,
Até que atingiu -
Que horrível!
A capoeira do alto!
O fogo já tão intenso,
Cresceu, ficou tenebroso,
Subiu mais alto que tudo,
Estalando como tiros,
Roubando a lenha abundante
Que a fazenda gastaria
Durante anos e anos,
Queimando só para o bem!
Espetáculo terrível,
Esse feio da queimada,
Mas foi o que revelou,
Aos meus olhos abismados,
O valor dos denodados
Que vivem no interior,
Cultivando terra boa,
Que o Senhor deu ao Brasil!
Dado o alarme da queimada,
Sai pela estrada a galope,
O emissário que, num gesto
E muito poucas palavras,
Dá notícia do ocorrido
E pede ajuda!
Ninguém pergunta se é longe,
Se o fogo é grande ou pequeno,
Se muitos vão, se ninguém,
O mais depressa que podem,
Seguem todos solidários!
(Continua)
Nota do Editor: Sem data e sem título, mas na sequência do ano 1952. Apesar de esse poema terminar com "Continua', não foi encontrada a continuação na sequência do caderno de notas, ou esta não foi feita. Arraial de São Lourenço refere-se, certamente, ao lugarejo rural no município de Leopoldina (MG), terra natal da esposa do autor, Moema. Eles devem ter ido lá em viagem.
A seguir, outro poema do autor com essa temática rural e que também tem a indicação final de que haveria uma continuação, mas parece que não houve:
Era um moço modesto
Na vila pequena
Na vila tranquila
Na vila serena
Metida, escondida
Lá no interior.
Modesto em recursos,
Modesto em cultura
Levava de fato
Uma vida bem dura
Que só compensava
Com o amor que encontrava
No seu grande amor
E no futebol - esse jogo danado
Em que era cotado
(Continuará)
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