segunda-feira, 29 de maio de 2023

Até a volta, campo amigo,

Agora tenho que ir,

Vou recolher no meu peito

Toda a alegria que tive

Morando aqui com você.

Vou levar estas lembranças

No paiol do coração,

E vou gastá-las com usura,

Quando estiver na cidade

Para atenuar cansaços,

Para viver mais alegre,

Compensando os desenganos

Que o grande centro me dá.


Hei de guardar bem guardado,

Este monte de montanhas

Recortadas por caminhos

Que o gado faz sem querer

Quando vai, lentamente,

Comendo o pasto que é seu!


Hei de alegrar os meus olhos

Revendo com o pensamento

O córrego pequenino

Que parece improdutivo,

Mas que vai mover o engenho

De onde sai a aguardente,

E o açúcar preto também,

E que ainda faz a luz

Que ilumina, embora fraca,

Os casebres do Arraial!...


O Arraial de São Lourenço!...


Lá na igrejinha do monte,

O santo olha por todos...

Os Ramos...

Os Freire...

A casa do João Bambão,

Que trabalha na pedreira

E aos domingos é barbeiro!

E olha pelos Monteiros

E pra todos que, menores,

Ainda não têm um nome

E não são tradicionais!

O armazém São Lourenço!...

Armazém e armarinho,

Farmácia, casa de louças

E de ferragens também!


Vou sentir muita saudade

Dos passeios com a Diana,

Égua gorducha, roliça,

De andar macio, gostoso,

Que a gente quase não sente!

Hei de lembrar do Alegre,

Cavalho velho, que serve

Pra quem já não sente muito

As batidas no selim...

Mas que eu usei mesmo assim.

Vou ouvir, tenho certeza,

A cantoria do carro,

Puxado no passo lento,

Mas firme, daquele bois...

Moreno, Retrato, Faceiro,

Canário, Lustre, Capenga...

Lá na frente, o candieiro,

Menino branco ou de cor

Mas, sempre bem pequenino,

Dirigindo as três parelhas

Que um mais velho, lá do carro,

Incentiva a caminhar!


Vou levar tanta lembrança boa!...

Mas uma triste, bem grande!...


Aquele incêndio!

Comendo capim gordura.

Começou e ficou logo

Numa linha só de avanço

Em toda a extensão do morro,

Comendo e correndo,

Queimando, estalando,

Fazendo um calorão!

Avançava e aniquilava

Tudo, tudo em seu caminho!

As árvores, as touceiras,

Até que atingiu - 

Que horrível!

A capoeira do alto!


O fogo já tão intenso,

Cresceu, ficou tenebroso,

Subiu mais alto que tudo,

Estalando como tiros,

Roubando a lenha abundante

Que a fazenda gastaria

Durante anos e anos,

Queimando só para o bem!


Espetáculo terrível,

Esse feio da queimada,

Mas foi o que revelou,

Aos meus olhos abismados,

O valor dos denodados

Que vivem no interior,

Cultivando terra boa,

Que o Senhor deu ao Brasil!


Dado o alarme da queimada,

Sai pela estrada a galope,

O emissário que, num gesto

E muito poucas palavras,

Dá notícia do ocorrido

E pede ajuda!


Ninguém pergunta se é longe,

Se o fogo é grande ou pequeno,

Se muitos vão, se ninguém,

O mais depressa que podem,

Seguem todos solidários!

                                    (Continua)


Nota do Editor: Sem data e sem título, mas na sequência do ano 1952. Apesar de esse poema terminar com "Continua', não foi encontrada a continuação na sequência do caderno de notas, ou esta não foi feita. Arraial de São Lourenço refere-se, certamente, ao lugarejo rural no município de Leopoldina (MG), terra natal da esposa do autor, Moema. Eles devem ter ido lá em viagem.

A seguir, outro poema do autor com essa temática rural e que também tem a indicação final de que haveria uma continuação, mas parece que não houve:


Era um moço modesto

Na vila pequena

Na vila tranquila

Na vila serena

Metida, escondida

Lá no interior.


Modesto em recursos,

Modesto em cultura

Levava de fato

Uma vida bem dura

Que só compensava

Com o amor que encontrava

No seu grande amor

E no futebol - esse jogo danado

Em que era cotado

                                        (Continuará)


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Família de Guimarães Nato, nome profissional do jornalista e escritor Renato Guimarães (1924 - 2000), inicia agora o blog com as poesias, prosas e demais textos literários e diversos outros que ele deixou. (15/02/2018)

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